Afinal, Temos mais facilidade em escrever para quem mais gostamos e refiro-me a um sentimento que instintivamente nos cobre a todos como seres da mesma espécime, o amor.
Acredito que achasses um tanto estranho nunca te ter escrito nada ou praticamente nada. Primeiro, e como explicação que te devo, há que dizer que escrever tornou-se algo intrinsecamente pertencente à minha alma. Escrever foi o modo com que a minha alma decidiu puder falar, puder gritar, puder amar. Fê-lo da melhor forma, escrever é criar constantemente sentimentos, expressões, maneira de estar (letra com que se escreve), modos de escrever… E, não sei… Em que é que isto difere da essência de uma pessoa. - Tu sabes? – É como se estivéssemos ritmicamente a criar seres todos diferentes, ainda que com nomes iguais. Diferente, porque a multiplicidade de sentidos nunca se poderá constituir como critério rigoroso de um só significado. Por mais que se tente objectivar esta forma de arte, acredito que tão melindrosa e engendrada arte escapará sempre por uma fuga inegável. Há dias, em que o dia me convida a escrever e se há ideais, escrevo. Se há palavras, escrevo-as. E depois, limito-me a trespassar estas ideias em palavras para uma pauta. E, cuidadosa e paulatinamente, tento alienar a música às palavras com ideias ou às ideias em palavras, até se fundirem e ser um só. Aguardo até que ganhem uma força capaz de clamar em uníssono e arrebatarem tudo o que não permitir o seu grassar lábil. Não tenho como objectivo ufanar as palavras, mas que elas se vangloriem pelo que são.
Dizia eu tudo isto para explicar que escrever limitando-me a vomitar e excretar palavras sem ideias, nem nexo, nem modos de ser, não o faço e considero um ópio. Para ser sincera, talvez o faça, mas nesses momentos não tenho a sobriedade fatal que me permite dizer que nessas alturas não estou sóbria e por isso, inconscientemente e perdida no meu abismo escrevo-as. Certamente que é uma ignomínia não para quem lê, - não saberiam a essência com que se escreve, pois as palavras também mentem, são parentes daqueles que as criaram – mas para quem está a escrever, visto sermos nós quem da vida às palavras. Se pensarmos que a mudança do que está mal partir do começo, por lógica, esse defeito não se manifestará no final. Quer isto dizer que, é possível impedir que as palavras mintam. Mas, se hoje estou a escrever uma carta ou um bilhete ou seja lá o que for, é porque sinto que o tenho de fazer e é sincero. As ideias podiam ser poucas, mas também, nada melhor do que libertar o nosso clausulado pensamento e deste modo, deixá-lo correr fluidamente. Não quero tornar isto enfadonho, até porque, o te vou oferecer e o desejo de aproximação à perfeição parece estar sempre patente, ainda que não ponha de parte a minha irrevogável condição de humano, enquanto ser que erra. Talvez admitir demasiado este ponto, nos prejudique, tal como admitir a utopia de perfeição perfeita seja um incomensurável erro. Enfim, quero só que saibas que nada disto foi estruturado ou pensado antes, que tudo o que aqui está, deste modo, foi como saiu de mim primeiramente. Talvez se venham a justificar eventuais correcções, mas não as farei e assim, entrego-me nesta folha com o meu modo de pensar intuitivo. Porque não?
Vieste até à minha casa, hoje, oferecer-me gentilmente um livro. Livro que viria a desassossegar a minha alma e que por isso, decidiu ela, desassossegar a tua também escrevendo estas palavras. Portanto, esta “carta” tem um intuito: Inquietar-te. Bem, não fui gentil no modo abrupto como te disse o que vinha esta carta fazer, mas consta saber, que também eu, gentil e subtilmente, vou entrar na tua casa agora. E nada mais do que se vai passar ficará registado em palavras ou em papel, ficará oculto na alma. E é por isto que tenho tanta dificuldade em escrever uma carta para ti. A dimensão do amor que por ti sinto, por melhores tradutoras que sejam as palavras, parte do seu sentido apodrece quando posto em papel. Um olhar ainda consegue chegar até à alma, sem com isso necessitarem de falar a mesma língua para que se entendam e amem. Ainda assim, gosto de dizer: amo-te.